terça-feira, 2 de junho de 2009

TRADUZIR-SE

UMA PARTE DE MIM É TODO MUNDO
OUTRA PARTE É NINGUÉM,FUNDO SEM FUNDO
UMA PARTE DE MIM É MULDIDÃO
OUTRA PARTE ESTRANHEZA E SOLIDÃO
UMA PARTE DE MIM PESA , PONDERA
OUTRA PARTE DELIRA
UMA PARTE DE MIM
ALMOÇA E JANTA
OUTRA PARTE SE ESPANTA
UMA PARTE DE MIM É PERMANENTE
OUTRA ERTE SE SABE DE REPENTE
UMA PARTE DE MIM É SÓ VERTIGEM
OUTRA PARTE LINGUAGEM
TRADUZIR UMA PARTE NA OUTRA PARTE
QUE É UMA QUAESTÃO DE VIDA E MORTE
SERÁ ARTE?
SERÁ ARTE?
SERÁ ARTE?

Hoje decidi começar uma fala com uma homenagem ao grande Ferreira Gullar.
Eu prometi a mim não comprar nada mais que não coubesse no nosso orçamento devastado pelo Parkinson e Alzheimer(Alzheimer???) da titia..mesmo uma simples revista periódica.
Mas me vi de frente, na banca ,com ele, na matéria de capa da ÉPOCA, dando uma declaração :

"DÓI TER QUE INTERNAR UM FILHO.ÀS VEZES NÃO HÁ OUTRO JEITO".

Comprei e devorei a reportagem e,mesmo não tendo filhos a internar,tive e tenho uma idosa que não quero internar.Doente.Carente.
A situação é esquizofrênica ,caro poeta: queremos nossa velhinha em casa,com dengos e regalias...e ela clama por um asilo.
Clama por ter o delírio de que assim teria a visita do filho,que no fundo ela sabe que jamais iria lá.A não ser se fosse pago para isso.Assim como só telefona para ela por ser obrigado por mim e por ser a cobrar.
Imaginem a dor que ela sente, quando declara ter consciência do desamor dele.E aí diz que quer ir embora...que aqui não há amor.Depois o contrário...é aqui o lugar...que está tudo direitinho na vidinha dela:quentinha,acarinhada e amada.

UMA PARTE DELA PESA,PONDERA
OUTRA PARTE DELIRA...

A nossa idosa não é um risco para nós,mas já foi para si mesma, quando aqui chegou.Moramos no oitavo andar e ela sempre dizia ter ímpetos de se jogar pela janela.Ainda hoje, sabendo que se levantar o queixo ao engolir líquidos pode aspirar e morrer,faz de repente, de propósito.E temos que alimentá-la segurando a sua nuca.
Li e reli a matéria sobre as condições de internação do portador de distúrbios psiquiátricos,sobre as politicagens, sobre os equívocos de compreensão tão bem colocados pelo poeta.

"Gular decidiu expor publicamente um problema que não é só seu.Nas últimas semanas, escreveu três artigos sobre o assunto em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.

- "Não pretendo liderar movimento algum.Sou um cidadão que tem uma trubuna e pode falar sobre o certo e o errado."

Falando sobre o MLA :
- " Essas pessoas não sabem o que é conviver com esquizofrênicos, que muitas vezes ameaçam se matar e matar alguém.Elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu."

- "Ninguém é a favor de manicômio ou de encerrar uma pessoa num hospital pelo resto da vida.Isso não existe há muito tempo,"diz."Mas as famílias precisam ter a quem pedir ajuda."

E a reportagem segue daquele jeito...coloca os dramas de algumas outras pessoas, questiona politicagens,cita percentuais,cita também alguns casos isolados de sucesso no programa dos Caps e termina fazendo questionamentos que nos deixam na mesma....nada acontece em grande escala em um país tão grande.A mim, interessa a grande escala...todos incluídos.

AH! Meu querido Ferreira Gullar!

Eu quase fui martelada por um amigo acometido da mesma doença de seu filho Paulo!Ele decidiu que eu era o Senhor Krishna e deveria ser adorada ,além de comer seu vômito...
Eu sei o que é isso...eu vi.
Eu vi uma outra pessoa ter certeza absoluta que as naves extra terrestres estavam entrando pela janela de seu quarto...
Eu vi as famílias relutarem,relutarem e internarem,cheias de dor e culpa.E desamparo.
Eu chorei muito por e com eles.Meus amigos.

Hoje choro pelo mesma e diversa razão, por mim,por amigos e seus velhinhos:
- E o idoso demente?Incontrolável?

Onde encontrar, tirando as clínicas que só de hospedagem cobram R$3.000.00,um lugar seguro onde nossos velhos não sejam dopados,maltratados,humilhados?
Onde encontrar médicos compassivos?
Falo por todos que já passaram e passam por essa busca...apesar de hoje ter encontrado uma médica especial.
Sua fala,querido Gullar, me cortou o coração...

"elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu."

Eles têm meeeesmo a audácia de fingir que se importam mais com nossos velhos do que nós mesmos.

Os médicos dos idosos têm essa audácia.Não todos,claro..mas me deparei com alguns, em esquinas tomadas pelo fog...são aquelas esquinas às quais se refere o Djavan...só eu sei...sabe lá...o que é morrer de sede em frente ao mar.
E acabo de me livrar de um deles.
No início da minha fala citei a Doença de Alzheimer..mas hoje,dia 2 de junho de 2009, foi descoberto que ela, a tia Ivone, não tem não...e que já deveria estar tomando certa droga ...
Hoje ela foi diagnosticada com Doença de Corpos de Levi,mais uma tragédia degenerativa cerebral.Hoje em dia, todos os doentes de demência levam para casa o nome do alemão: Alzheimer...virou moda dos pouco estudiosos.
Mas as variáveis são sutis...e um profissional não atento jamais perceberá.
Estamos começando tudo de novo: novos médicos,novas medicações...
Pelo que foi dito, as condições dela muito vão piorar: mais paranóia,mais oscilações da pressão arterial e certas alucinações vindouras.

UMA PARTE DELA SERÁ SÓ VERTIGEM
OUTRA PARTE LINGUAGEM(CONFUSA...)

Tomara eu não desembarque nesse porto cruel, da decisão de internação.
Porto Solidão...quem não se recorda do Jessé?

"Vida de ventos e velas
Vida que vem e que vai..
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais."

Eu estou olhando, agora, a sua foto.
Eu,agora,mergulho no seu olhar.E frustra nada poder fazer para mudar. Nada.Nem na sua situação nem na minha.Nem em nenhuma outra.
Não...não vá rir dessas minhas elocubrações.O cansaço faz isso.
Também não levanto bandeiras, mas grito aqui no blog essa loucura que é a da solidão mal acompanhada...
E essa falta de atitude democrática ,onde se tem que conviver com o erro crasso e calar sob pena de ter um processo para responder.

Sepulcros caiados.

Jalecos maculados.
Políticas cínicas.
Amores Fingidos.

Será nossa arte suficiente para se tornar um lastro?A sua é, informo.
Para todos nós...
Eu escrevo coisinhas para crianças,querido.Nessas coisinhas, tento traduzir-me.

"Será que é imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?

Renato Russo

Paz e Luz
Cris