quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Como usamos finitude?

A palavra, nas línguas latinas, é derivada de finis. Essa raiz está ligada a um bom número de brotos dos quais relembro alguns como: finale (usado na música e no esporte - mas nestes casos já com conotações bem determinadas); finalmente; em combinações como linha final, forma final, arte final, etc. Do outro lado, desinências paralelas dão uma indicação para aplicação do conceito: longitudo, latitudo, altitudo, etc, indicam que o conceito da raiz é aplicado como um caráter ou propriedade a coisas, pessoas ou fenômenos. No nosso uso diário da língua, o termo aparece poucas vezes, mas existe uma série de expressões que dão forma ao conteúdo desta palavra. Tudo tem um fim e frases semelhantes apontam para a nossa consciência de um quadro dentro do qual nossa existência é contido.
O termo pertence, antes a contextos filosóficos. Tenho a impressão que uma pesquina na rua como fazem na televisão, em locais de língua portuguesa, quase sempre ficaria devendo a resposta. O termo usado em outras línguas, frequentemente daria uma descrição aceitável. bem mais que o termo finitude, usa-se o o contrário: infinito provavelmente teria bem mais reação num inquérito na rua. Também na matemática encontramos a cobrinha do infinito. Se não me engano, somatório, multiplicações e divisões tranquilamente podem sempre ser continuados em teoria (embora encontrei ultimamente na internet a teoria que diz que o infinito seria um subconceito de finito e não o contrário). Na lógica, encontramos a situação ad infinitum. À primeira vista parece, portanto que tenhamos mais atenção para a falta de fim do que para o próprio fim.
No caso da finitude, temos a impressão que o termo, no seu uso, tem um caráter mais teórico no sentido que ele é mais moeda comum em atividades racionais. A partir daqui aparece então a questão em que profundidade o uso do termo é um reflexo da maneira em que a finitude tem um lugar nos elementosde siginificação para a vida do homem. Desta maneira, pensamos ter feito um passo na direção de compreender o conceito de finitude num sentido mais amplo para a nossa existência. A palavra conceito nesta frase não é usada, portanto, na sua forma técnico-lógica mas antes no sentido de ter compreensão de.
Possivelmente assim podemos formular a consideração em forma interrogativa: Como vivenciamos a finitude de nossa existência?
Para encontrar uma resposta a esta pergunta, será necessário descobrir de que maneira o vivenciar pode ser observado e, consequentemente, descrito. Uma vez aceito que vivenciar aponta para uma situação humana queé consideravelmente mais extensa do que o racional, ficará claro que nãopodemos esperar uma visão total e uma reprodução exaustiva a curto prazo. Devemo-nos contentar com aquilo e, a partir daí, formar uma imagem da maneira em que a finitude está em nossa vida. Este procedimento sem dúvida fará uma impressão um tanto fragmentária e deixará oportunidade para modificações posteriores, mas em todo o caso, pode abrir um caminho para nós. A escolha dos fenômenos, certamente, terá um caráter arbitrário e será determinada pelas eventuais experiências intelectuais, sociais, antropológicas, artísticas e psíquicas do observador.
Para que possamos formar uma idéia da estrutura da nossa vivência da finitude, parece inevitável considerar ao menos alguns traços da história da nossa situação ocidental.
Uma primeira impressão consiste no fato de que nossa cultura ocidental em geral representou a finitude da nossa existência como algo negativo. Tantos mitos antigos como dados hebraicos apontam nessa direção. Nem o hades, nem o sheol foram locais mais atraentes. Esta negação frequentemente tomava a forma de uma rachadura na natureza. Em si, as coisas não teriam tido a necessidade de ser assim; originalmente este limite não era dado na natureza. Também a imagem de origem dos hebraicos é de uma vida sem doença, sem tristeza, sem decadência e sem fim. Esta era a situação do paraíso que em si era dado como permanente. A modificação que criaria nossa situação não era vista como um erro racional, mas como uma catástrofe provocada por uma perversão de comportamento, que, embora executada por um indivíduo, era descrita como um elemento genético e, como tal, constitutivo para toda a prole.
Como uma das consequências do precedente, a idéia de culpa entrou na vivência da finitude. o fato de ser limitado no tempo não se tornou apenas um dado da realidade, mas a consequência de uma falha comportamental que, por isso, tornou-se computável e exigia uma compensação de uma ou outra maneira. a idéia de finitude, por isso, foi revestida coma espécie de uniforme de culpa pelo qual o gênero humano tornou-se marcado como candidato para a pena.
A atmosfera psicológica que, a partir dos fatores antecedentes e de muitos outros se estabelceu, traz uma marca de impotência (afinal tudo isso não era nossa culpa), misturada com alguma coisa de injusto e, em muitos casos de profundo medo. Será supérfluo neste contexto lembrar as formas que na cultura ocidental a personificação da morte tomou em palavras e imagens. Mesmo em apresentações bem humoradas e humorísticas, regularmente aparecem traços de certo fracasso ou decadência e o humor torna-se rapidamente um humor negro. A literatura, a filosofia, a pintura e os filmes de nosso século dão inúmeros exemplos. Também a literatura da prática psicanalista tem numerosas indicações na mesma direção.
As formas tomadas pelas tentativas de escapar aos problemas da finitude têm uma história longa e complicada. A partir dos mitos mais antigos sobre faraós e pirâmides, nas ressucitações e reencarnações até nas filosofias de nosso século sempre encontramos esta tendência, tanto quanto à própria existência, quanto ao conhecimento e à consciência. Um dos traços curiosos que anotamos é o fato que, com exceção de algumas teorias de reencarnação, a transição da finitude, não é vista como uma entrada numa outra finitude, mas no contrário: o infinito (em muitas vezes o imutável). Os limites da finitude aparentemente são vividos como um estar preso de tal maneira que todas as tentativas de alcançar o outro lado se tornam ideais. A estrutura deste infinito, no entanto, é influenciada pela consciência de culpa acima mencionada, de modo que também o infinito é contaminado uma dicotomia ou às vezes uma tripartição como na divina comédia: céu, inferno e purgatório. Este local cria a condição especial de presos que não sabem exatamente qual é o crime que fizeram, como será a pena e até que ponto esta pode ser compensada. À primeira vista, nas tentavias de escapar, são experimentados diferentes métodos na sua totalidade muito demais para serem descritos. No entanto, seria possível montar um esquema de simplificação mais ou menos no seguinte sentido: concentração exclusiva na esfera que está dentro dos limites da finitude; concentração exclusiva ao depois de tal maneira que os valores do aqui e agora são determinados totalmente pelo misterioso além e então. Um terceiro grupo pode ser descrito como uma espécie de síntese no sentido de um intercâmbio entre as esferas; os valores são determinados por uma espécie de diálogo entre as diversas áreas que formam mais ou menos uma unidade. A vivência da finitude, por isso, recebe traços que são reflexos da infraestrutura filosófica, cultural ou religiosa que funciona como fundo de alimentação.
Uma descrição da situação ao final do século 20 exigiria um extenso estudo que não se enquadra nos moldes destas simples anotações. Nosso recurso é procurar alguns fenômenos que se destacam para o observador mais apressado e, deste modo, fazer uma provisória imagem de alguns traços do desenvolvimento da vivência da finitude. Embora não seja possível separá-las adequadamente, podemos tentar uma focalização que mais se dirige aos elementos racionais (ou "pensantes"), e uma outra se estendendo mais sobre áreas vivenciais gerais.
Uma tentativa de visualizar as ondulações nos pensamentos humanos sobre a finitude destaca facilmente a relação entre o finito e o infinito como mais acessível. De fato temos a impressão que durante muito tempo o infinito estava presente (e pretensamente mais ou menos conhecível) como determinante do finito. Embora nossos mestres tivessem chamado a atenção para o sentido dialógico de Platão e o célebre exaifnes, a eterna firmeza das idéias neste contexto para nós não deixava dúvidas. Assim, continuamos a ler Aristóteles, os medievais, Plotino, Aquinas, Descartes, Leibniz até, Kant e hegel. Parece que, na realidade, esta maneira de pensar estava estreitamente ligada às discussões sobre o absoluto (aqui lembramos de nossas leituras de Fichte). Indicações de tempo nestes assuntos tão amplos, naturalmente são bastante arbitrárias, mas, observando com cuidado e reserva, enxergamos a primeira parte do século passado como o início de uma modificação mais profunda nesta visão. Parece que só mais para o fim do século conseguimos anotar em publicações mais acessíveis o resultado provisório desta virada. Após Brentano, as investigações de Husserl começaram a influenciar diversas correntes de pensamento, os movimentos existencialistas e fenomenológicos brotaram e até hoje não deixaram de marcar presença. Longe de mim pensar que estas foram as únicas linhas filosóficas que tiveram influência neste sentido. Junto com um movimento em matemática, lógica e linguística, assistimos ao aparecimento de linhas de pensamentos com diversos nomes como Círculo de Viena, filosofia analítica, linguistic turn etc. Exigiria um livro (ou diversos livros) para demosntrar como a idéia da finitude foi influenciada e por quem, mas é fácil constatar que diversos dos maiores livros e escritores de nosso século se ocuparam profundamente com o assunto (Kierkegaard, Sartre, Merleau-Ponty, Heidegger, Gadamer, Ricoeur e muitos outros). Pensamos observar um deslocamento em direção de maior peso e autonomia do finito sem que este seja considerado como isolado. Pelo contrário, é mais estar no mundo (in-der-Welt-sein ou Dasein - diz Heidegger) que se torna característico. Ao mesmo tempo, esta modificação contribui para um aumento de consciência, que por sua vez acentua os problemas ligados à finitude e exige novas maneiras de enfrentar antigos desafios.
Não há dúvida que o rápido desenvolvimento de uma série de ciências contribuiu para a constituição da situação neste fim de século. Para quem seguiu um pouco o desenvolver das ciências durante os dois últimos séculos, não será necessário pormenorizar as profundas mudanças provocadas em nossa visão do mundo. Apenas para completar um pouco o quadro acima cito algumas: A maravilhosa história da biologia em geral e especialmente as conquistas da genética e da evolução a partir do Jardin du roi de Paris, passando por Darwin até a elaboração da teoria do DNA e o projeto Genoma; as inúmeras conquistas da física, da matemática, química, astronomia; a teoria da relatividade, o princípio da incerteza, a comunicação, a eletrônica, a nova linguística e a nova lógica; a estatística, a informática e sua popularização colocando os fatos do mundo instantaneamente na mesa de todo mundo. Seria de estranhar se esta tempestade de desenvolvimento não houvesse resultado na posição do homem frente à sua situação na realidade.
É indispensável mencionar a psicologia. Antigas técnicas procuravam dirigir o olhar humano para o infinito. a partir do século passado o olhar é dirigido para si mesmo, tendo como resultado que sua finitude é ressaltada. Um dos elementos nas escritas de Freud junto com eros é thanatos.
Mas parece que além das modificações provocadas pelas ciências, o século trouxe alterações. A vivência da finitude quanto à participação direta ao momento do fim de um lado diminuiu, mas de outro, o contato intensificou-se por causa da mídia. A maioria das pessoas morre em hospitais onde o evento é enquadrado em estruturas técnicas e profissionais (ainda assisti a morte da minha avó em casa em 1925 e da minha mãe, em casa em 1941 - mas meu pai e meus irmãos morreram em hospitais e deles não sei mais nem o ano). A vivência direta, humana, com isto altera-se. Do outro lado, assistimos aos mais horríveis desastres em que, às vezes, morrem centenas ou milhares de pessoas. Assistimos aos fatos mais deploráveis do século como Auschwitz, Vietnan, Uganda, Nagasaki, Hiroshima etc., e muitas vezes estas mortes são presenciadas não só por pequenos grupos, mas literalmente, por populações inteiras. De um lado, este desenvolvimento conduz ao distanciamento da impressão nos indivíduos separadamente, de outro, dempre apresenta a finitude em quadros dramáticos, repelentes e apavorantes. As tristes imagens de Kosovo recentemente podiam ser seguidas por todos, ao vivo, dia por dia.
Um outro aspecto da posição deste fim de século parece ser um instante movimento para afastar o fim dos indivíduos tanto à diminuição da vitalidade e algumas tentativas de suavizar psiquicamente e fisiologicamente a experiência da realidade da finitude. Embora inteiramente favoráveis a todas as tentativas neste sentido, pensamos que em si, não resolvem o problema da vivência da finitude. Enquanto o próprio fim não for eliminado, a finitude estará presente como desafio e o trabalho sobre ela será o de interioridade do homem, de sua visão e de seu treinamento psíquico.
É claro que a seguinte pergunta será: onde e como podemos encontrar elementos capazes de influenciar positivamente nossa vivência de finitude? Embora ninguém deva esperar qualquer receita de um velho estudante que nunca deu muita atenção a receitas rápidas, mesmo assim parece válido adiantar alguns pontos sobre este assunto.
Em primeiro lugar, parece possível procurar um caminho em direção da positividade. na história temos exemplos de uma vivência com a finitude bastante satisfatória em bases de uma integração com um infinito aceito e sonhado. Para nós, este infinito e este sonho, no momento, não tem consistência bastante para funcionar como garantia de um conviver sadio com a finitude. Mas há considerações que parecem apontar alguma possibilidade. Afinal nunca o homem teve consciência tão profunda de pertencer a uma grande história em que sem dúvida está encaixado, embora não conheça nem seu início nem seu fim. Os quase dois séculos de avanços científicos, especialmente na biologia e na evolução, devem ter dados para que hoje possamos sbstituir parte da nossa visão por termos e estruturas aos quais com sinceridade conseguimos dar o nosso apoio. A finitude frequentemente é limitada à efemeridade do indivíduo. Vale a pena lembrar que, como indivíduos, emergimos no tempo sem nossa própria escolha ou mesmo colaboração. Este velho estudante considera todo indivíduo como imensamente valioso, porque necessariamente ele faz uma parte indispensável da grande história. O indivíduo como tal tem um fim e limites temporais, mas a grande história da qual ele faz parte continua. A positividade da vivência cresceria se a nossa consciência se concentrasse menos na história minúscula de cada um e acentuasse a sua valiosíssima pertença à grande história. Deve ser um longo caminho, mas em outras circunstâncias ele já foi percorrido.
Outra pista seria possivelmente uma vivência mais intensa do presente. também este modo já foi experimentado, mas ele pertence a um grande conjunto de fatores que limitam suas possibilidades. A dificuldade psíquica de uma prisão cresce consideravelmente se a atividade é limitada a olhar pela janela. Qualquer ocupação diminui o peso das grades.
Mas penso que especialmente uma ampla celebração da vida em todos os seus momentos contribuiria para o saneamento da pressão da finitude. Perdemos muitas jóias de vida porque deixamos de ver seu brilho pelo simples fato de convencer-nos que não vale porque um dia não brilharão mais.
Há um grande número de fatores que na vida da sociedade colabora para a negatividade da finitude e é por isso que me lembro dos grandes exemplos que viveram até o último minuto (Bach que ditou a última página da Arte da Fuga ao seu gênero - Casals que com mais de noventa anos gravou discos com seu pianista com mais de cem - e tocaram esplendidamente - escritores que morreram com a caneta na mão, todos celebrando a vida!). Lembro-me também dos músicos populares brasileiros que desceram no túmulo ao som de suas canções e debaixo dos aplausos de seus seguidores. aqui nada de negativo mas uma viva representação do antigo ditado latim; Finis coronat opus.
Como todo sério estudante, também este velho praticante experimenta seus numerosos momentos de dúvidas e oscilações, procurando em volta apoios para seus sonhos e pensamentos. Nos últimos anos, a técnica colocou à nossa disposição instrumentos para contatos dos quais nos anos vinte até cinquenta nem podíamos sonhar. A partir do aparecimento das maravilhas dos bits e nets, tornei-me um surfista entusiasta e pouco a pouco mais hábil. É interessante notar como na última década os sites ligados ao termo finitude proliferaram. Como tudo na Web, as quantidades são tão grandes que se torna ridículo tentar dar resumos ou mesmo exemplos. Menciono o fato apenas porque demonstra com bastante clareza que o fenômeno neste fim de século cresceu em importância para muitas pessoas das mais variadas áreas. Não resisto, porém, de anotar alguns traços que, entre muitos outros, no percurso das leituras chamaram atenção.
Para nós, leigos nestas ciências, é surpreendente o número de sites que se ocupam com a finitude no sentido matemático. Sabíamos, sim, que o finito e o infinito desde a antiguidade percorreu pesquisas e teorias de filósofos e matemáticos. Pensamos, talvez ingenuamente, que depois de Cantor Frege, Poincaré, Russel e Thom, o assunto teria chegado a um ponto de equilíbrio. Mas na Web aprendemos que ainda na matemática o tópico é quente. Os matemáticos ainda discutem a situação dos números naturais e até a relação entre os conceitos finito e infinito. Uma vez que o avanço das ciências é um fator influente em nossas vivências gerais, não é de estranhar que para nossa compreensão a finitude se reveste de determinada opacidade. De outro lado, o fato do reconhecimento da problematicidade numa ciência tão avançada como a matemática nos fornece uma espécie de confirmação que nossas preocupações com a finitude em filosofia, sociologia e psicologia são reais e legítimas. Ainda sugere que as dificuldades da vivência da finitude (ao menos por enquanto) não parecem ser consequências de pura emocionalidade.
Uma anotação que se apresenta continuamente nas leituras sobre o assunto é a ligação entre a finitude e o tempo. Naturalmente considerações sobre o tempo encontramos a partir dos pré-socráticos até Heidegger. Mas parece que, no nosso século, a interpretação tomou uma forma nunca antes apresentada desta maneira. A relatividade tornou-se uma característica destacada e embora a própria teoria ainda não fosse nem inteiramente compreendida e muito menos praticamente integrada, a vivência do presente, passado e futuro e consequentemente da finitude não deixou de sentir a influência desta mudança. Um dos livros mais importantes de nosso século é sem dúvida o ser e tempo (Sein und Zeit) de Heidegger (como aliás O Ser e o Nada, de Sartre). Mas é interessante registrar que um dos livros bem recentes de Chopra (Ageless body, Timeless mind) precisamente apresenta como um método sadio de viver a finitude a concentração no momento presente, uma vez que nem o passado nem o futuro tem o mesmo teor de realidade. Grande parte do stress moderno provém, ao seu ver, precisamente da vivência errada de um passado que não pode mais ser mudado e de um futuro que ainda não está ao nosso alcance. Deepak Chopra com isso aproveita de sua origem indiana onde se formou e de onde trouxe as idéias de inserção na totalidade da vida com uma aceitação tranquila da sua finitude.
Uma vez tendo mencionada a Índia, é difícil deixar de apontar a vivência peculiar da finitude, do tempo e da totalidade como nos é apresentado nos escritos antigos e novos daquelas filosofias. Quando na metade do nosso século (os anos em que este velho estudante tinha acabado de fazer sua graduação) se mencionavam os pensamentos orientais, as reações dos universitários daquele tempo, com frequência, era de estranheza e as idéias, na maioria das vezes, eram catalogadas como literárias ou mitológicas. Hoje os sites na Internet são numerosos, muitas universidades têm cursos especiais sobre literatura e filosofia da Índia e já não precisamos ficar envergonhados quando tomamos partes da sabedoria oriental como extremamente preciosas. A vivência da finitude em muitos casos demonstra uma tranquilidade que exatamente venceu alguns dos problemas mencionados no início destas anotações. Rabindranath Tagore (prêmio Nobel do início do século) aponta como origens da diferença que a cultura ocidental nasceu da posição das cidades gregas que criaram uma oposição entre os de dentro e os de fora; era fundamental defender-se contra o ambiente. era uma espécie de rachadura na situação inicial como o hindu a viveu: em completa união com a vida da floresta que era um ambiente integrado e amigo; não se tratava de defender-se e sim de conviver com a totalidade. A finitude nesta visão pertencia ao grande fluxo da vida e o fim dos indivíduos é apenas uma fase do ciclo total.
Estas anotações humildes e provisórias de um velho estudante, portanto, fazem aparecer a vivência da finitude como ainda em status nascendi ou seja, em fase de aprendizagem. Nunca ele conseguiu aderir a correntes de pessimismo ou de cinismo que marcaram nosso século. Parece claro que uma visão de tantos séculos dificilmente se modificará em pouco tempo, mas vale a pena observar a imensa aceleração de informação que estamos experimentando e que provavelmente influenciará o ritmo de modificações culturais e vivenciais. Racionalemnete falando, pensamos poder dizer que nascemos, sem nossa interferência ou conhecimento de um imenso mistério (que ainda não explicamos), desenvolvemos as potencialidades com reduzido poder individual de decisão e voltamos naturalmente ao mundo desconhecido de onde emergimos. A grande história continua incorporando a riqueza da nossa individualidade; é como o crescimento de uma grande árvore que produz as frutas que são o coroamento da sua vitalidade e não um drama ou decadência; a árvore tranquilamente continua seu crescimento. Por isso a pergunta: quando celebramos com tanta felicidade o nascimento, o emergir do mistério, porque a volta para o seio da energia que nos fez precisa ser diferente? Por isso tambéme ste velho estudante lembra sempre do seu sempre vivo amigo G. K. Chesterton que, quando perguntado na hora da morte o que experimentava, respondeu sem hesitar: "uma imensa curiosidade".
Nota sobre bibliografia
Decidi não apresentar uma lista de bibliografia pelo simples fato que o apoio bibliográfico é toda a literatura filosófica, psicológica e científica, de modo que uma citação seria extremamente longa e inútil. Apenas quero frisar que num primeiro mergulho nas ondas da internet, o termo "finitude" apresentou mais de 7.000 sites, demonstração da atualidade de nosso assunto.
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Fonte: livro "Finitude - Uma proposta para reflexão e prática em gerontologia"
Autora: Ligia Py - Editora Nau - Páginas: (34 - 44)