terça-feira, 27 de abril de 2010

A TIAZINHA SE FOI...


CANTARÃO OS GALOS

CANTARÃO OS GALOS,QUANDO MORRERMOS,
E UMA BRISA LEVE,DE MÃOS DELICADAS,
TOCARÁ NAS FRANJAS,NAS SEDAS
MORTUÁRIAS.

E O SONO DA NOITE IRÁ TRANSPIRANDO
SOBRE AS CLARAS VIDRAÇAS.

E OS GRILOS,AO LONGE,SERRARÃO SILÊNCIOS,
TALOS DE CRISTAL,FRIOS,LONGOS ERMOS,
E O ENORME AROMA DAS ÁRVORES.

AH,QUE DOCE LUA VERÁ NOSSA CALMA
FACE AINDA MAIS CALMA QUE O SEU GRANDE ESPELHO
DE PRATA!

QUE FRESCURA ESPESSA EM NOSSOS CABELOS,
LIVRES COMO OS CAMPOS PELA MADRUGADA!

NA NÉVOA DA AURORA,
A ÚLTIMA ESTRELA
SUBIRÁ PÁLIDA.

QUE GRANDE SOSSEGO SEM FALAS HUMANAS,
SEM O LÁBIO DOS ROSTOS DE LOBO,
SEM ÓDIO,SEM AMOR,SEM NADA!

COMO ESCUROS PROFETAS PERDIDOS,
CONVERSARÃO APENAS OS CÃES,PELAS VÁRZEAS.
FORTES PERGUNTAS.VASTAS PAUSAS.

NÓS ESTAREMOS NA MORTE
COM AQUELE SUAVE CONTORNO
DE UMA CONCHA DENTRO DA ÁGUA.


CECÍLIA MEIRELES
RETRATO NATURAL


Câmbio final...a tia se foi...


Ontem a tiazinha se foi...cedinho...


Recebemos o clássico telefonema no hospital: - Falo com a responsável pela Sra Ivone Pereira?O médico precisa conversar com a família, o estado dela se agravou...


Saí daqui já com as roupinhas dela...com os dois bonequinhos do Flamengo: batizados de Obina E Path...para irem com ela à sepultura.


Meu Adiel e Dona Santa juntos,quietos...
Faz tempo tinha resolvido não ir ao funeral,por conhecer bem minhas reações a choques emocionais.Ano passado quando fui ver meu padrinho adorado no hospital quase saí carregada.
E penso que fiz tudo para ela em vida.
O que podia e o que não podia...meus limites emocionais e psicológicoas foram todos extrapolados pela causa.
A minha velhinha TINHA que deixar a vida com a impressão do Amor...dessa companhia que lhe fizemos.Por isso JAMAIS a internaria em uma clínica,para comodidade minha, se ela pudesse ficar aqui,com todo o dengo que teve até ir para aquela CTI.
Eu achava que não aguentaria vê-la com sonda naso,ou aquela outra que é feita direto no estomago.Mas até a isso estava me convencendo a enfrentar, em casa mesmo.

Mas ... ela se foi.

Se foi como eu implorava aos Céus: ataque cardíaco fulminante.Nem deu para entubar...
Por causa das pnemonias, eu temia que ela se fosse naquele quadro de falta de ar, uma vez que era lúcida.
Adiel assumiu com Dona Santa o funeral.Por temermos que o filho sequer aparecesse.E ela ficasse lá ... jogada.

Eu fui para o Pão de Açúcar, para o Morro da Urca, que tanto amo.Sozinha,com o mp4.

Fui em busca de Vida e Beleza, por ela, em homenagem a ela.
Lá, escolhi um local onde há uma visão total da ponte Rio-Niterói, uma vez que ela seria enterrada em São Gonçalo, para que o pastor dela,os vizinhos e amigos a vissem.
E fiquei sentada em uma espreguiçadeira, ouvindo as cerimônias de Natal e Páscoa, no MP4.
No Pão de Açúcar cantando para Jesus, Mestre dela que era presbiteriana.Em companhia das vozes de meus amigos e companheiros do grupo de bhajans de Copacabana.
Fiquei calculando a hora, pensando se o carro funerário já estaria cruzando a ponte...
Pasma com a Beleza daquela tarde e com algo tão bizarro e incomum para mim:

Eu nunca gostei (preconceituosamente, pois são os garis da natureza...) de urubus. Mas na murada onde estava, bem perto mesmo, assisti algo tão belo que ainda fico com os olhos rasos dágua: estava um vento forte, e um bando dessas aves negras, umas dez aves, estavam guerreando como vento, brincando entre si.

Fiquei perplexa com a Beleza dos movimentos perfeitos...com o brilho lindíssimo do sol da tarde naquelas penas de veludo...

Brincavam em pares, em trincas ... mergulhavam e faziam manobras beeeeeeeeeeelas...nesses mergulhos.O negro da penas em contraste com o verde da flora do Pão de Açúcar, e com o verde brilhante do mar.

Eu fiquei com a respiração suspensa... eu vi o Belo que na morte há.
Sempre liguei urubus à morte... mas a leveza que a morte traz...eu vi ontem à tarde.
Por isso ,esse poema de Cecília,no início da postagem.

Senti.Aceitei.

Cansei de olhá-los, e mudei de lugar...uma mesinha de onde eu ainda via a ponte...

Quando estava começando a chorar ,por ser a hora do enterro, caíu de um arvoredo, algo azul e amarelo ( Uso uma frase do Leminski em meus emails: o amor é um elo entre o azul e o a,marelo),pequeno...estranho..parecia um bicho morrendo...piava...se contorcia.

O casal de turistas da mesa ao lado também ficou intrigado.Mas fui eu quem levantou e,devagar,se aproximou...pensei que se fosse um bichinho ferido, eu recolheria e faria nem sei o que...
ERAM DOIS PÁSSAROS CRUZANDO!!!
E LEVARAM UM SUSTO E SAÍRAM VOANDO!
Simplesmente a Vida, em contraposição ao meu estado escuro,momentâneo.O casal ficou tão feliz e surpreso quanto eu.
Mas resolvi mudar de novo e fui para outra espreguiçadeira.
E fui rodeada de...MICOS! SAGUIS!
Um bando desaforado e nem aí para os humanos...passaram assim a menos de um palmo dos meus pés.

Foi um delírio geral: crianças,turistas,todos de máquina fotográfica para guardar o momento.
Lembrei de Hanumann, o devoto perfeito , e implorei a Sri Rama que assim me torne.

Então a tarde que seria uma dor continuada e cruel, tornou-se em Beleza,Vida e Alegria.
Falo de dor continuada porque durante esses dois anos e alguma coisa não deu tempo de pensar em nada que não o conforto da tia.Mas agora parece que está "esfriando o machucado"...
E sei ser normalíssima uma reação forte minha.Estou me cuidando...comecei já a doar as coisinhas dela para os que a amavam:


Narizinho ficou com a almofada loooonga,com uma bela frase e dois bonequinhos do Mengo,Dona Santa ficou com todas as roupas boas, novas.E as velhas,para doar...Os bichinhos de pelúcia vão para a netinha do Adiel,A cadeira higiênica para a Igreja Batista de Moça Bonita junto com os pacotes de fraldas que sobraram,As medicações e almofadas especiais anti-escaras vou disponibilizar na comunidade do Orkut Alzheimer Research, no ítem Doações e Trocas.

E lá vou eu...como diz o poema delicadíssimo de Tetela,nesse dia difícil:

A TIA SE FOI

COM A LUZ DA MANHÃ

COM OS PÉS DESCALÇOS

COM AS MÃOS EM PRECE

A TIA SE FOI

PARA A LUZ MAIOR

PARA O AMOR DO PAI

A TIA SE FOI

E CRIS FICOU INUNDADA DE AMOR

Paz e Luz

Cris




2 comentários:

  1. Nedir da Silva Rodrigues27 de abril de 2010 às 19:38

    Cris, li tudo e amei tudo.
    Meu coração ainda triste com a partida da tia, se alegrou um pouco com as aves cruzando, os micos e os urubus.
    É a Mãe Natureza agindo sempre.
    Às vezes ela me parece feia, chata e sem sentido, pois leva embora aqueles que amamos.
    Depois me corrijo, me repreendo e me pego defendendo-a.
    Ela está apenas fazendo o seu trabalho, aquele que Deus ordenou.
    Que tudo tenha início, meio e fim.
    Só queria que o fim fosse mais belo e mais alegre.
    Estou pedindo muito?

    ResponderExcluir
  2. Ah siiiiiim, adorei tudo, incluindo o poema de abertura.
    Os bichos, esses doadores nas horas mais necessárias.
    Mas não precisava doer tanto na alma da gente. Devia existir algum analgésico assim...
    Bjs em seu coração estrelado!

    ResponderExcluir